Chapada - Manaus/AM
- (92) 3015-1387
- (92) 99340-2114
- (92) 99151-0149
Empresas brigam contra a 'bitributação'
Para ressarcimento, contribuintes travam disputas na Justiça que demoram até 15 anos, questionando tributos
A disputa entre Estados e Prefeituras para arrecadar impostos, a complexa estrutura tributária do Brasil e a falta de precisão ao interpretar a lei têm levado empresas de vários setores do país a serem duplamente tributadas pela atividade que realizam.
Fabricantes de embalagens, de produtos agroindustriais, provedores de acesso à internet e empresas de outdoors são alguns exemplos dos que brigam com os fiscos administrativamente e na Justiça para impedir a dupla cobrança de impostos.
"Vivemos num manicômio tributário. A empresa não sabe a quem deve pagar, quanto deve pagar e para quem deve pagar", diz o consultor tributário Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista.
O maior embate está na cobrança de ICMS (imposto pago aos Estados quando há circulação da mercadoria na cadeia produtiva) e de ISS (cobrado pelas prefeituras na prestação de serviços). Quando há a cobrança de um, não pode haver do outro.
A confusão entre quem tem competência para cobrar se acentuou a partir da Constituição de 1988, quando a lei ampliou a cobrança de ICMS para serviços de comunicação e de transportes.
Mesmo com a lei complementar 116, de 2003, que listou os serviços sujeitos ao ISS, o impasse persistiu.
Recentemente, uma empresa de tingimento de jeans foi autuada pelo fisco municipal de São Paulo em R$ 40 milhões por não recolher ISS para a prefeitura, embora pagasse ICMS ao Estado desde que abriu suas portas.
A empresa recorre da multa e se defende: mostra que o tecido que tinge é uma etapa de uma industrialização (sujeita ao ICMS), e não um serviço prestado, como uma tinturaria (sujeita ao ISS).
"A necessidade de procurar cada vez mais receita cria profundas distorções e penaliza o contribuinte", diz o tributarista Ives Gandra. No Brasil, uma norma tributária é criada a cada 49 dias.
NA JUSTIÇA
Para discutir a dupla cobrança de impostos, as empresas têm desembolsado quantias consideráveis durante anos, até que tribunais superiores criem jurisprudência para resolver o impasse.
"Até isso ocorrer, temos uma enorme insegurança jurídica, que desestimula investimentos e afeta a competitividade. Essa instabilidade não é mais admissível na quase quinta economia do mundo", diz o advogado Luiz Fernando Mussolini Junior.
No caso de provedores de acesso à internet e de fabricante de embalagens, foram 12 anos para conseguir resolver (em parte) a questão da cobrança de ICMS e ISS.
Muitas empresas têm optado por discutir autuações e cobranças indevidas diretamente na Justiça porque reclamam que nas esferas administrativas os favorecidos são Estados e municípios.
Quando a empresa ganha a causa na Justiça, enfrenta outra questão. "Se for um tributo estadual, pode sentar e chorar. Porque terá de entrar na fila do pagamento de precatórios. Se receber em 15 anos, terá sorte", diz a advogada Bianca Xavier.
Para o advogado Luiz Roberto Peroba, "a combinação de várias contribuições federais em apenas uma e a fusão de impostos são medidas fundamentais para evitar conflitos de competências entre os entes da Federação".
Contribuinte tem como recorrer, afirmam governos
Conflito de competência na cobrança é minoria nas contestações no Tribunal de Impostos e Taxas de SP
Para subsecretário, lei que lista serviços que devem ser tributados pelo ISS precisa de modernização
Estado e prefeituras informam que o contribuinte tem chances de se defender nas esferas administrativas e, se discordarem da decisão, podem recorrer à Justiça.
Para o presidente do TIT (Tribunal de Impostos e Taxas) de São Paulo, José Paulo Neves, a quantidade de autos de infração contestando quem tem competência para cobrar imposto do contribuinte é pequena no Estado e está concentrada em poucos segmentos.
"Dos 6.500 autos de infração em discussão nas duas esferas administrativas, a quantidade referente ao conflito de competência para cobrar é mínima. A questão é que, como o ICMS tributa alguns tipos de serviço, pode haver dúvidas de interpretação", afirma.
Sobre a reclamação do setor empresarial de que nas esferas administrativas o contribuinte tem menos chance de ser favorecido nas decisões, ele admite que 90% dos autos de infração são mantidos na primeira instância.
"Mas na segunda instância esse percentual é menor. Embora a maioria ainda favoreça o Estado, as câmaras de julgamento são paritárias, com o mesmo número de juízes representando o fisco e as entidades empresariais."
O subsecretário da Receita Municipal da Prefeitura de São Paulo, Ronilson Bezerra Rodrigues, diz que a lei complementar 116, de 2003, que lista os serviços que devem ser tributados pelo ISS, precisa ser modernizada, o que já está em discussão entre os municípios.
"A lei lista 40 itens e 183 subitens. Alguns novos serviços surgiram", diz o subsecretário.
Rodrigues afirma também que os Estados têm mais estrutura que os municípios na área tributária para fazer a cobrança de impostos, por isso podem "avançar" sobre setores que não são tributados pelos municípios.
"Quando há um serviço que não é cobrado pelo município, o Estado vem e cobra. O que é uma aberração tributária", afirma.
(CLAUDIA ROLLI)
FOLHA.com
Leia a série completa
folha.com/no1059745
Opinião
Contribuinte deve discutir as anomalias tributárias do país
A POLÍTICA TRIBUTÁRIA É A RESPONSÁVEL PELO PRECÁRIO DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA E DA TECNOLOGIA BRASILEIRA
LETÍCIA MARY FERNANDES DO AMARAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não é novidade que o sistema tributário nacional é complexo e burocrático.
São mais de 60 tributos existentes, fora as taxas e contribuições cobradas por cada um dos entes federados, e mais de 20 mil normas tributárias em vigor que estabelecem inúmeras obrigações aos contribuintes.
Tais normas, se não cumpridas ou cumpridas fora do tempo, geram multas altíssimas, além de tempo e dinheiro gastos para arcar com custos envolvidos nos questionamentos do fisco e da Justiça.
Infelizmente, a política tributária é a grande responsável pelo precário desenvolvimento da indústria nacional e da tecnologia puramente brasileira, já que grande parte dessa tecnologia é importada ou fruto de acordos de transferência.
Nosso sistema tributário também impede o fechamento de negócios com empresas estrangeiras que pretendam investir no país.
Exemplo dos "absurdos tributários" é a multi-incidência tributária sobre um mesmo fato gerador e a inclusão das alíquotas na base de cálculo de outros tributos.
Ou seja, sobre a receita gerada pela venda de um produto vão incidir -e serão cobrados pelo fisco- os tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI), os estaduais (ICMS) e, eventualmente, também os municipais (ISS).
Além disso, no cálculo do PIS e da Cofins, entrará o valor do ICMS pago, que por sua vez conterá o valor do IPI mais o PIS e a Cofins recolhidos anteriormente.
Trata-se de uma teratologia, ou uma anomalia tributária, sem tamanho que, com o pesar dos pesares, não temos o "orgulho" de admitir ser unicamente brasileira.
Há mais problemas, como os conflitos entre Estados e municípios na cobrança de seus respectivos impostos sobre um mesmo serviço e também as inúmeras inconstitucionalidades na elaboração e aplicação das normas tributárias pelos diversos fiscos.
É problema do contribuinte discutir, na esfera judicial ou não, tais abusos fiscais.
Embora promissor em termos econômicos, o Brasil ainda encontra entraves para o seu pleno desenvolvimento, e essa situação continuará assim até que haja uma mudança definitiva de legislações e, principalmente, da cultura fiscal tupiniquim.